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Entenda a famigerada história do IRB.


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12 minutes ago, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Boa tarde gente!! Vi essa thread produzida pelo Leandro Siqueira | Edufinance e achei interessante compartilhar com vocês, sobretudo porque muita gente está depositando esperanças na IRB na onda do Barsi, muitas vezes sem entender direito o que aconteceu para a empresa chegar na situação que está.

Dado os devidos créditos, vamos a historia.


Por anos o IRB ocupou o cargo de queridinha do mercado financeiro.

Bancos, researchs e gestores idolatravam a empresa.

Com a alta irrefreável, investidores fizeram fortunas com as ações dela.

Aparentemente, não havia nada que pudesse dar errado – mas só aparentemente.

Numa prosaica segunda-feira, o inesperado aconteceu: a Squadra, renomada gestora carioca, divulgou uma carta ao mercado.

Indo na contramão do que todos acreditavam, ela dizia apostar na queda das ações do IRB.

O motivo? A descoberta de uma fraude colossal.

O IRB foi criado em 1939.

Na época, o Brasil era governado por Getúlio Vargas, um presidente com claro viés nacionalista.

No seu governo, foram criadas as maiores estatais brasileiras:

  • Petrobras
  • Vale
  • CSN

O mote por trás da criação das estatais era impedir que as riquezas brasileiras fossem parar nas mãos dos estrangeiros.

Contudo, uma riqueza havia sido deixada de lado nessa história: o seguro de grandes riscos.

O seguro de grandes riscos é aquele em que o valor coberto é tão alto, mas tão alto, que uma seguradora sozinha não conseguiria dar conta de pagar a indenização caso acontecesse um desastre.

Na época, esse mercado era dominado por empresas internacionais.

Logo, muito dinheiro saía do Brasil, tornando o dólar mais escasso e, consequentemente, mais caro.

Pra dar um basta nisso, Getúlio criou o Instituto de Resseguros do Brasil – agora, denominado IRB.

Há vários tipos de seguro: de vida, de carros, de incêndio e até de geadas.

O evento que leva o seguro a pagar a indenização é chamado de "sinistro".

Já o dinheiro que o cliente paga pelo seguro é chamado de "prêmio".

Ganhar dinheiro vendendo seguros é "simples". Tudo o que a seguradora precisa fazer é ganhar mais com os prêmios do que ela vai gastar com sinistros. Pra conseguir isso, a seguradora usa a chamada "Lei dos Grandes Números".

Vamos imaginar que a chance do seu carro ser roubado durante um ano é de +- 0,3%.

Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de:

O problema é que ninguém rouba em "parcelas".

Quando você é roubado, R$ 100 mil vão embora de uma vez. Portanto, esse "valor esperado" faz pouco sentido pra você na prática.

É aí que entra a Lei dos Grandes Números

O que a Lei dos Grandes Números diz é que a probabilidade real se aproxima da teórica quanto maior o número de observações. Explicando em bom português:

As chances de você tirar "coroa" ao jogar uma moeda pra cima são de 50%. Isso implica que se você jogar uma moeda 10x pra cima, vão sair necessariamente 5x coroa? Obviamente, não.

Entretanto, caso você jogue a moeda milhares de vezes pra cima, aí sim, é bem provável que metade dê coroa.

Quanto maior o número de observações (moedas jogadas) mais próxima a probabilidade teórica (50%) fica da probabilidade real (número de coroas).

Você pode até não conseguir prever quando o seu carro vai ser roubado.

No entanto, você consegue estimar quantos carros vão ser roubados quando reúne milhares deles (muitas observações).

Com isso, o "valor esperado" de R$ 300 passar a fazer sentido.

Nasce aí uma oportunidade fascinante:

Reunindo 1.000 pessoas e considerando 0,3% de chance de cada carro ser roubado, dá pra estimar que 3 carros vão ser roubados todo ano.

Como cada um vale R$ 100 mil, isso dá R$ 300 mil reais.

Tudo o que elas precisam fazer para se proteger do risco de ter o carro roubado é criar uma "vaquinha".

Nela, cada uma contribui com R$ 300/ano.

A grana é usada para indenizar quem for roubado.

É trocar a chance pequena de uma perde enorme, pela certeza de uma perda pequena.

O que as seguradoras fazem é ganhar dinheiro ao "intermediar a vaquinha".

Várias pessoas pagam um valor "prêmio"

Quem tiver o carro roubado, ganha uma indenização.

Há 1 problema nisso: o risco catastrófico.

Teoricamente, quanto mais gente comprar o seguro, melhor.

Só que isso dá brecha para uma "catástrofe", em que o número de carros roubados extrapola o esperado.

Nisso, a seguradora pode não ter grana pra pagar todas as indenizações.

Em 2005, vários furacões atingiram a Flórida e as indenizações dos seguros chegaram na casa de $ 35 bilhões de dólares.

Caso uma seguradora tivesse que bancar tudo isso sozinha, ela certamente iria à falência.

É aqui que os resseguros entram em cena.

O resseguro é uma espécie de seguro do seguro.

Nele, parte do risco das seguradoras é "vendido" para as resseguradoras.

Caso uma catástrofe aconteça, as resseguradoras entram em cena, evitando a quebra da seguradoras.

No caso dos furacões que atingiram a Flórida, dos dos $ 35 bilhões pagos em indenização, $ 22 bilhões saíram dos cofres das resseguradoras.

A questão é: aqui no Brasil, eventos catastróficos são raros.

Qual a lógica, então, de existir uma resseguradora?

Bom, não sei se você percebeu, mas tudo o que uma seguradora precisa fazer para ganhar dinheiro é assinar um papel.

Quando ela assina (em geral), o dinheiro do prêmio já cai na conta.

A indenização, por sua vez, só precisará ser paga lá na frente, quando o sinistro acontecer.

O dinheiro que fica na conta "esperando" o sinistro acontecer é chamado de "float".

Esse float pode ser investido, rendendo uma grana pra seguradora.

O problema é: como garantir que a seguradora terá dinheiro para pagar as indenizações lá na frente?

Pra garantir isso, a SUSEP (regulador) criou um negócio chamado "limite de retenção".

Esse limite determina que a quantidade de seguros que a empresa pode vender é restringida pelo patrimônio líquido dela (a grana que ela tem).

Em geral, esse limite é de 5% do patrimônio.

Toda vez que a seguradora vende um seguro, o patrimônio dela diminui.

A explicação é:

  • Quando o dinheiro da venda entra, o ativo aumenta
  • Só que esse dinheiro é provisionado, o que também aumenta o passivo

O nome disso é "Diferimento de Receita".

O problema é que a empresa gasta uma grana pra vender o seguro (vendedores etc).

Esse gasto entra como despesa ("custos de aquisição"), o que reduz o patrimônio líquido.

Logo, a seguro vendido, o patrimônio diminui.

That's a problem: quanto mais seguro você vende, menos você pode vender (independente do tipo, já que seu patrimônio diminuiu).

A boa notícia é que há uma solução: resseguros.

O que as seguradoras fazem no Brasil é transferir uma parte dos seguros que elas venderam para as resseguradoras.

A princípio, pode parecer que é a mesma coisa que vender menos seguros.

A não ser por um detalhe: a comissão de resseguro.

Essas comissões são pagas pelas resseguradoras para (teoricamente) compensar os "custos de aquisição" que as seguradoras tiveram.

Na prática, as comissões são maiores do que os custos.

Portanto, toda vez que a seguradora faz um resseguro, o patrimônio dela aumenta.

O nome disso é "surplus relief".

As seguradoras e ressegurados têm um negócio muito parecido.

A grande diferença é que:

  • Seguradoras são varejistas (vendem para pessoas)
  • Resseguradoras são atacados (vendem para as seguradoras)

Por conta disso, o "float" que fica nas resseguradoras é gigantesco.

Com uma taxa de juros real média em torno de 6% a.a., dá pra fazer fortunas só investindo esse float.

É assim que as resseguradoras (br) ganham dinheiro.

Agora que você entendeu tudo isso, será muito mais fácil compreender como o IRB arquitetou a sua fraude.

O IRB era a empresa dos sonhos:

  • Lucros altos
  • Crescimento constante
  • Excelente ROE

Enquanto em 2018 o ROE do IRB chegou a mais de 30%, o das concorrentes não passava de míseros 5% ao ano.

O IRB, de acordo com os dados, era a melhor resseguradora do MUNDO.

Bom demais pra ser verdade.

Das duas uma: ou eles tinham descoberto a fórmula mágica do dinheiro ou havia algo muito errado nessa história.

Havia uma explicação para esse ROE fenomenal, segundo um relatório do Morgan Stanley: a taxa de sinistralidade.

Taxa de sinistralidade nada mais é do que quanto a empresa gastou com indenizações a cada R$ 1 que ela ganhou vendendo seguros.

Em 2018, a sinistralidade do IRB foi de 56%.

Isso era estranho: a taxa média das resseguradoras ao redor do mundo inteiro era de +- 75%.

Desde o IPO, a sinistralidade do IRB no Brasil havia sido de 35%, o que, na linguagem popular, é f*cking impossível.

Olhando os dados disponíveis na SUSEP, a taxa de sinistralidade média no Brasil era de 61% desde 2017.

O IRB tem mais de 40% do mercado de resseguros no Brasil.

Pra conta fechar, as outras resseguradoras deveriam ter uma taxa de 75%: mais que o dobro da IRB.

Só que havia algo pior.

Quando rola um sinistro, a resseguradora não indeniza direto o cliente, mas sim a seguradora (que repassa a grana).

Nos dados da SUSEP, constava o quanto as seguradoras receberam de reembolso da IRB.

Adivinha só? Esses dados não batiam com os que constavam na DRE do IRB.

Em bom português, ela divulgava uma despesa com sinistros muito menor do que realmente era pago, fazendo a taxa de sinistralidade dela ser muito menor do que o normal.

No total, entre 2017 e 2019, essa diferença chegou a surreais R$ 1,6 bilhão de reais.

Como explicar essa diferença gritante?

Pra responder essa pergunta, a Squadra foi atrás do Triângulo de Sinistros.

Esse triângulo divide os resseguros de acordo com o ano em que eles foram vendidos.

Nessa imagem estão os anos em que os resseguros foram feitos.

Dos feitos em 2014, por exemplo, a IRB gastou R$ 50 mi com sinistros no mesmo ano.

Já no ano seguinte, em 2015, ela gastou R$ 500 mi.

Em 2016, ela gastou mais R$ 1 bilhão.

(assim a coisa vai até 2019)

image.png.ca4cf8229fbff8cff9f6869bedc74c1d.png

Essa é a origem da "ilusão".

Calculando a taxa de sinistralidade pela mera divisão do quanto o IRB gastou com sinistros em um ano pelo quanto ela ganhou com resseguros nesse mesmo ano, vamos encontrar um valor muito baixo.

O motivo é simples: sinistros demoram a acontecer.

Com o número de resseguros vendidos crescendo, sempre vai haver + grana entrando do que saindo (criando a ilusão de que a sinistralidade está baixa).

Calculando pelo triângulo, porém, a sinistralidade do IRB entre 2017 e 2019 era de 70%.

image.png.1bc33566f3c956d9456465e6ccbfb107.png

Esse truque funciona bem: até que a rodar para de girar.

Não dá pra vender um número cada vez maior de resseguros todo ano.

Uma hora, a verdade viria à tona.

Foi aí que o IRB teve uma ideia brilhante.

Existe um "delay" entre a resseguradora ser avisada que houve um sinistro e de fato pagar o reembolso à seguradora.

Como nada pode escapar da contabilidade, é criado uma "Provisão de Sinistros a Liquidar* (PSL) para registrar o valor que ainda deverá ser pago.

O que pouca gente sabe é que no momento em que o seguro é ativado (um carro que bateu, por exemplo), a seguradora (ou resseguradora) passa a ser dona dele.

Ela pode, então, vender a carcaça e ficar com o dinheiro.

Essa grana é o que a gente chama de "salvados e ressarcidos".

Como existe a chance do IRB recuperar uma grana com isso, ela pode reduzir o valor provisionado pelo quanto ela ACREDITA que conseguirá reaver.

Praticamente nenhuma resseguradora faz isso.

Nem o IRB fazia: até 2019.

Com o cerco apertando, ele mudou de ideia.

image.jpeg.c7f55bfc78d7fd1d6da6d67ff3092338.jpeg

O achismo começou com R$ 150 milhões (6% da PSL).

Em pouco tempo, esse valor já chegava a R$ 600 milhões (30% da PSL).

Esse truque foi ótimo para maquiar o crescimento da taxa de sinistralidade.

A cartada final, porém, foi ainda melhor. Quando ainda era estatal, há uns 30 anos, o IRB comprou vários shoppings. Desde então, o valor deles no Balanço Patrimonial da empresa era o mesmo.

Em 2019, eles venderam os shoppings, gerando um lucro enorme.

Valorização?

Não, apenas atualização de um valor que não mudava há 30 anos.

Voilà: + R$ 300 milhões de reais em lucro contábil.

Resumo da ópera, esses foram os 3 truques usados pela IRB:

  • Reduzir a PSL estimando salvados e ressarcidos • Reverter provisões antigas • Vender ativos antigos

Juntos, eles geraram + R$ 2 bilhões de reais em lucro “fictício”, digamos assim

E o pior, boa parte dentro da lei!

A lição é simples: quanto mais liberdade contábil a empresa tiver, maior o risco dela estar escondendo algo.

Empresas cujo negócio envolve provisões têm liberdade para fazer quase o que quiserem.

A melhor forma de identificar inconsistências é ficando de olho nas anomalias:

  • ROEs incríveis
  • Fluxo de caixa negativo vs lucro contábil positivo
  • Provisões baixas (vs concorrentes)
  • Falta de transparência

Há, inclusive o Leandro tem um vídeo muito bacana da historia:

https://www.youtube.com/watch?v=SCqsRZ4ly0Q&ab_channel=Edufinance


E aqui você encontra outros tópicos que eu já publiquei por aqui na comunidade:

O GLOSSÁRIO DEFINITIVO, ou quase, DE TERMOS DO MERCADO FINANCEIRO: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3730-o-glossário-definitivo-ou-quase-de-termos-do-mercado-financeiro/

Aos mãos de alface: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3663-aos-mãos-de-alface/

LFTS11 faz sentido ou não vale o tempo gasto?: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3712-lfts11-faz-sentido-ou-não-vale-o-tempo-gasto/

O cara deu uma verdadeira aula sobre como funcionam seguradoras e o case da IRB 👏

  • Brabo 2
  • Aí cê deu aula... 2
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1 minute ago, Matheus Malheiros Pinto disse:

O cara deu uma verdadeira aula sobre como funcionam seguradoras e o case da IRB 👏

Pois é!! Eu comecei a ler para entender melhor como foi a fraude e sem esperar tava lendo uma aula sobre seguros. Gostei demais, até porque tenho BB Seguridade na carteira. 

  • Aí cê deu aula... 1
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16 minutes ago, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Boa tarde gente!! Vi essa thread produzida pelo Leandro Siqueira | Edufinance e achei interessante compartilhar com vocês, sobretudo porque muita gente está depositando esperanças na IRB na onda do Barsi, muitas vezes sem entender direito o que aconteceu para a empresa chegar na situação que está.

Dado os devidos créditos, vamos a historia.


Por anos o IRB ocupou o cargo de queridinha do mercado financeiro.

Bancos, researchs e gestores idolatravam a empresa.

Com a alta irrefreável, investidores fizeram fortunas com as ações dela.

Aparentemente, não havia nada que pudesse dar errado – mas só aparentemente.

Numa prosaica segunda-feira, o inesperado aconteceu: a Squadra, renomada gestora carioca, divulgou uma carta ao mercado.

Indo na contramão do que todos acreditavam, ela dizia apostar na queda das ações do IRB.

O motivo? A descoberta de uma fraude colossal.

O IRB foi criado em 1939.

Na época, o Brasil era governado por Getúlio Vargas, um presidente com claro viés nacionalista.

No seu governo, foram criadas as maiores estatais brasileiras:

  • Petrobras
  • Vale
  • CSN

O mote por trás da criação das estatais era impedir que as riquezas brasileiras fossem parar nas mãos dos estrangeiros.

Contudo, uma riqueza havia sido deixada de lado nessa história: o seguro de grandes riscos.

O seguro de grandes riscos é aquele em que o valor coberto é tão alto, mas tão alto, que uma seguradora sozinha não conseguiria dar conta de pagar a indenização caso acontecesse um desastre.

Na época, esse mercado era dominado por empresas internacionais.

Logo, muito dinheiro saía do Brasil, tornando o dólar mais escasso e, consequentemente, mais caro.

Pra dar um basta nisso, Getúlio criou o Instituto de Resseguros do Brasil – agora, denominado IRB.

Há vários tipos de seguro: de vida, de carros, de incêndio e até de geadas.

O evento que leva o seguro a pagar a indenização é chamado de "sinistro".

Já o dinheiro que o cliente paga pelo seguro é chamado de "prêmio".

Ganhar dinheiro vendendo seguros é "simples". Tudo o que a seguradora precisa fazer é ganhar mais com os prêmios do que ela vai gastar com sinistros. Pra conseguir isso, a seguradora usa a chamada "Lei dos Grandes Números".

Vamos imaginar que a chance do seu carro ser roubado durante um ano é de +- 0,3%.

Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de:

O problema é que ninguém rouba em "parcelas".

Quando você é roubado, R$ 100 mil vão embora de uma vez. Portanto, esse "valor esperado" faz pouco sentido pra você na prática.

É aí que entra a Lei dos Grandes Números

O que a Lei dos Grandes Números diz é que a probabilidade real se aproxima da teórica quanto maior o número de observações. Explicando em bom português:

As chances de você tirar "coroa" ao jogar uma moeda pra cima são de 50%. Isso implica que se você jogar uma moeda 10x pra cima, vão sair necessariamente 5x coroa? Obviamente, não.

Entretanto, caso você jogue a moeda milhares de vezes pra cima, aí sim, é bem provável que metade dê coroa.

Quanto maior o número de observações (moedas jogadas) mais próxima a probabilidade teórica (50%) fica da probabilidade real (número de coroas).

Você pode até não conseguir prever quando o seu carro vai ser roubado.

No entanto, você consegue estimar quantos carros vão ser roubados quando reúne milhares deles (muitas observações).

Com isso, o "valor esperado" de R$ 300 passar a fazer sentido.

Nasce aí uma oportunidade fascinante:

Reunindo 1.000 pessoas e considerando 0,3% de chance de cada carro ser roubado, dá pra estimar que 3 carros vão ser roubados todo ano.

Como cada um vale R$ 100 mil, isso dá R$ 300 mil reais.

Tudo o que elas precisam fazer para se proteger do risco de ter o carro roubado é criar uma "vaquinha".

Nela, cada uma contribui com R$ 300/ano.

A grana é usada para indenizar quem for roubado.

É trocar a chance pequena de uma perde enorme, pela certeza de uma perda pequena.

O que as seguradoras fazem é ganhar dinheiro ao "intermediar a vaquinha".

Várias pessoas pagam um valor "prêmio"

Quem tiver o carro roubado, ganha uma indenização.

Há 1 problema nisso: o risco catastrófico.

Teoricamente, quanto mais gente comprar o seguro, melhor.

Só que isso dá brecha para uma "catástrofe", em que o número de carros roubados extrapola o esperado.

Nisso, a seguradora pode não ter grana pra pagar todas as indenizações.

Em 2005, vários furacões atingiram a Flórida e as indenizações dos seguros chegaram na casa de $ 35 bilhões de dólares.

Caso uma seguradora tivesse que bancar tudo isso sozinha, ela certamente iria à falência.

É aqui que os resseguros entram em cena.

O resseguro é uma espécie de seguro do seguro.

Nele, parte do risco das seguradoras é "vendido" para as resseguradoras.

Caso uma catástrofe aconteça, as resseguradoras entram em cena, evitando a quebra da seguradoras.

No caso dos furacões que atingiram a Flórida, dos dos $ 35 bilhões pagos em indenização, $ 22 bilhões saíram dos cofres das resseguradoras.

A questão é: aqui no Brasil, eventos catastróficos são raros.

Qual a lógica, então, de existir uma resseguradora?

Bom, não sei se você percebeu, mas tudo o que uma seguradora precisa fazer para ganhar dinheiro é assinar um papel.

Quando ela assina (em geral), o dinheiro do prêmio já cai na conta.

A indenização, por sua vez, só precisará ser paga lá na frente, quando o sinistro acontecer.

O dinheiro que fica na conta "esperando" o sinistro acontecer é chamado de "float".

Esse float pode ser investido, rendendo uma grana pra seguradora.

O problema é: como garantir que a seguradora terá dinheiro para pagar as indenizações lá na frente?

Pra garantir isso, a SUSEP (regulador) criou um negócio chamado "limite de retenção".

Esse limite determina que a quantidade de seguros que a empresa pode vender é restringida pelo patrimônio líquido dela (a grana que ela tem).

Em geral, esse limite é de 5% do patrimônio.

Toda vez que a seguradora vende um seguro, o patrimônio dela diminui.

A explicação é:

  • Quando o dinheiro da venda entra, o ativo aumenta
  • Só que esse dinheiro é provisionado, o que também aumenta o passivo

O nome disso é "Diferimento de Receita".

O problema é que a empresa gasta uma grana pra vender o seguro (vendedores etc).

Esse gasto entra como despesa ("custos de aquisição"), o que reduz o patrimônio líquido.

Logo, a seguro vendido, o patrimônio diminui.

That's a problem: quanto mais seguro você vende, menos você pode vender (independente do tipo, já que seu patrimônio diminuiu).

A boa notícia é que há uma solução: resseguros.

O que as seguradoras fazem no Brasil é transferir uma parte dos seguros que elas venderam para as resseguradoras.

A princípio, pode parecer que é a mesma coisa que vender menos seguros.

A não ser por um detalhe: a comissão de resseguro.

Essas comissões são pagas pelas resseguradoras para (teoricamente) compensar os "custos de aquisição" que as seguradoras tiveram.

Na prática, as comissões são maiores do que os custos.

Portanto, toda vez que a seguradora faz um resseguro, o patrimônio dela aumenta.

O nome disso é "surplus relief".

As seguradoras e ressegurados têm um negócio muito parecido.

A grande diferença é que:

  • Seguradoras são varejistas (vendem para pessoas)
  • Resseguradoras são atacados (vendem para as seguradoras)

Por conta disso, o "float" que fica nas resseguradoras é gigantesco.

Com uma taxa de juros real média em torno de 6% a.a., dá pra fazer fortunas só investindo esse float.

É assim que as resseguradoras (br) ganham dinheiro.

Agora que você entendeu tudo isso, será muito mais fácil compreender como o IRB arquitetou a sua fraude.

O IRB era a empresa dos sonhos:

  • Lucros altos
  • Crescimento constante
  • Excelente ROE

Enquanto em 2018 o ROE do IRB chegou a mais de 30%, o das concorrentes não passava de míseros 5% ao ano.

O IRB, de acordo com os dados, era a melhor resseguradora do MUNDO.

Bom demais pra ser verdade.

Das duas uma: ou eles tinham descoberto a fórmula mágica do dinheiro ou havia algo muito errado nessa história.

Havia uma explicação para esse ROE fenomenal, segundo um relatório do Morgan Stanley: a taxa de sinistralidade.

Taxa de sinistralidade nada mais é do que quanto a empresa gastou com indenizações a cada R$ 1 que ela ganhou vendendo seguros.

Em 2018, a sinistralidade do IRB foi de 56%.

Isso era estranho: a taxa média das resseguradoras ao redor do mundo inteiro era de +- 75%.

Desde o IPO, a sinistralidade do IRB no Brasil havia sido de 35%, o que, na linguagem popular, é f*cking impossível.

Olhando os dados disponíveis na SUSEP, a taxa de sinistralidade média no Brasil era de 61% desde 2017.

O IRB tem mais de 40% do mercado de resseguros no Brasil.

Pra conta fechar, as outras resseguradoras deveriam ter uma taxa de 75%: mais que o dobro da IRB.

Só que havia algo pior.

Quando rola um sinistro, a resseguradora não indeniza direto o cliente, mas sim a seguradora (que repassa a grana).

Nos dados da SUSEP, constava o quanto as seguradoras receberam de reembolso da IRB.

Adivinha só? Esses dados não batiam com os que constavam na DRE do IRB.

Em bom português, ela divulgava uma despesa com sinistros muito menor do que realmente era pago, fazendo a taxa de sinistralidade dela ser muito menor do que o normal.

No total, entre 2017 e 2019, essa diferença chegou a surreais R$ 1,6 bilhão de reais.

Como explicar essa diferença gritante?

Pra responder essa pergunta, a Squadra foi atrás do Triângulo de Sinistros.

Esse triângulo divide os resseguros de acordo com o ano em que eles foram vendidos.

Nessa imagem estão os anos em que os resseguros foram feitos.

Dos feitos em 2014, por exemplo, a IRB gastou R$ 50 mi com sinistros no mesmo ano.

Já no ano seguinte, em 2015, ela gastou R$ 500 mi.

Em 2016, ela gastou mais R$ 1 bilhão.

(assim a coisa vai até 2019)

image.png.ca4cf8229fbff8cff9f6869bedc74c1d.png

Essa é a origem da "ilusão".

Calculando a taxa de sinistralidade pela mera divisão do quanto o IRB gastou com sinistros em um ano pelo quanto ela ganhou com resseguros nesse mesmo ano, vamos encontrar um valor muito baixo.

O motivo é simples: sinistros demoram a acontecer.

Com o número de resseguros vendidos crescendo, sempre vai haver + grana entrando do que saindo (criando a ilusão de que a sinistralidade está baixa).

Calculando pelo triângulo, porém, a sinistralidade do IRB entre 2017 e 2019 era de 70%.

image.png.1bc33566f3c956d9456465e6ccbfb107.png

Esse truque funciona bem: até que a rodar para de girar.

Não dá pra vender um número cada vez maior de resseguros todo ano.

Uma hora, a verdade viria à tona.

Foi aí que o IRB teve uma ideia brilhante.

Existe um "delay" entre a resseguradora ser avisada que houve um sinistro e de fato pagar o reembolso à seguradora.

Como nada pode escapar da contabilidade, é criado uma "Provisão de Sinistros a Liquidar* (PSL) para registrar o valor que ainda deverá ser pago.

O que pouca gente sabe é que no momento em que o seguro é ativado (um carro que bateu, por exemplo), a seguradora (ou resseguradora) passa a ser dona dele.

Ela pode, então, vender a carcaça e ficar com o dinheiro.

Essa grana é o que a gente chama de "salvados e ressarcidos".

Como existe a chance do IRB recuperar uma grana com isso, ela pode reduzir o valor provisionado pelo quanto ela ACREDITA que conseguirá reaver.

Praticamente nenhuma resseguradora faz isso.

Nem o IRB fazia: até 2019.

Com o cerco apertando, ele mudou de ideia.

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O achismo começou com R$ 150 milhões (6% da PSL).

Em pouco tempo, esse valor já chegava a R$ 600 milhões (30% da PSL).

Esse truque foi ótimo para maquiar o crescimento da taxa de sinistralidade.

A cartada final, porém, foi ainda melhor. Quando ainda era estatal, há uns 30 anos, o IRB comprou vários shoppings. Desde então, o valor deles no Balanço Patrimonial da empresa era o mesmo.

Em 2019, eles venderam os shoppings, gerando um lucro enorme.

Valorização?

Não, apenas atualização de um valor que não mudava há 30 anos.

Voilà: + R$ 300 milhões de reais em lucro contábil.

Resumo da ópera, esses foram os 3 truques usados pela IRB:

  • Reduzir a PSL estimando salvados e ressarcidos • Reverter provisões antigas • Vender ativos antigos

Juntos, eles geraram + R$ 2 bilhões de reais em lucro “fictício”, digamos assim

E o pior, boa parte dentro da lei!

A lição é simples: quanto mais liberdade contábil a empresa tiver, maior o risco dela estar escondendo algo.

Empresas cujo negócio envolve provisões têm liberdade para fazer quase o que quiserem.

A melhor forma de identificar inconsistências é ficando de olho nas anomalias:

  • ROEs incríveis
  • Fluxo de caixa negativo vs lucro contábil positivo
  • Provisões baixas (vs concorrentes)
  • Falta de transparência

Há, inclusive o Leandro tem um vídeo muito bacana da historia:

https://www.youtube.com/watch?v=SCqsRZ4ly0Q&ab_channel=Edufinance


E aqui você encontra outros tópicos que eu já publiquei por aqui na comunidade:

O GLOSSÁRIO DEFINITIVO, ou quase, DE TERMOS DO MERCADO FINANCEIRO: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3730-o-glossário-definitivo-ou-quase-de-termos-do-mercado-financeiro/

Aos mãos de alface: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3663-aos-mãos-de-alface/

LFTS11 faz sentido ou não vale o tempo gasto?: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3712-lfts11-faz-sentido-ou-não-vale-o-tempo-gasto/

@Victor Antonio Cordeiro Rios parabéns, senacional que aula!!!  eu tinha curiosidade sobre o setor e principalmente pela historia da IRB (sábado estava falando com uma amiga que vende seguros para empresa com faturamentos acima de 50MI, e ela dizia que os resseguros são quase todos feitos com a IRB e só por isso ela acreditava - viés - que a IRB vai decolar de novo), mas ela não soube me explicar como - foi mais pela esperança...  

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2 horas atrás, Danilo Alves Silva Spinola Barbosa disse:

É, mas de IRB eu fico de fora, tem opções melhores no mercado kkkkk

Então Danilo mas no caso do post do nosso amigo é justamente para relatar a história por trás da IRB, sendo que até um tempo atrás muitos a consideravam a melhor opção … serve justamente para nos atentarmos em conhecer a história por trás do ticket da ação ! 

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11 minutes ago, Alf Junior disse:

E quanto ao Barsi pregar que a IRB vai voltar?

Vocês acreditam que é devido a ele estar com uma grande posição neste case e por isso apregoa uma bem aventurança na esperança de que os investidores comprem a ideia e retomem o papel??

Esta não, o que ele colocou na IRB ele ganha num mês de dividendos, é dinheiro de pinga para ele

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12 minutes ago, Danilo Alves Silva Spinola Barbosa disse:

Esta não, o que ele colocou na IRB ele ganha num mês de dividendos, é dinheiro de pinga para ele

Fiz uma pesquisa no Google e ele investiu um total de 120 Milhões na cotação média de R$ 5,50 por ação em 2021.

E neste ano investiu mais 10 milhões na cotação média de R$ 1,20 por ação.

Para que na reunião estatutária pudesse votar e colocar a filha dele como conselheira do comitê de auditoria estatutária, ela foi eleita e assumiu o cargo de 06/07/2022 à 23/05/2023 

Segundo a pesquisa, o valor representava 3% do patrimônio dos Barsi na época.

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53 minutes ago, Henrique Magalhães disse:

Então Danilo mas no caso do post do nosso amigo é justamente para relatar a história por trás da IRB, sendo que até um tempo atrás muitos a consideravam a melhor opção … serve justamente para nos atentarmos em conhecer a história por trás do ticket da ação ! 

Já esteve valendo R$ 34,50 e hoje vale... 

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4 horas atrás, Henrique Magalhães disse:

@Victor Antonio Cordeiro Rios parabéns, senacional que aula!!!  eu tinha curiosidade sobre o setor e principalmente pela historia da IRB (sábado estava falando com uma amiga que vende seguros para empresa com faturamentos acima de 50MI, e ela dizia que os resseguros são quase todos feitos com a IRB e só por isso ela acreditava - viés - que a IRB vai decolar de novo), mas ela não soube me explicar como - foi mais pela esperança...  

Sinceramente eu até acho que ela deve se restabelecer de novo. Mas também não sei explicar como kkk. 

Enfim, muito bom ver essas questões sobre seguros, principalmente quando é uma informação que não fazíamos ideia! Servem para mostrar que por mais que estudamos, não sabemos tanto quanto achamos. 

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46 minutes ago, Alf Junior disse:

E quanto ao Barsi pregar que a IRB vai voltar?

Vocês acreditam que é devido a ele estar com uma grande posição neste case e por isso apregoa uma bem aventurança na esperança de que os investidores comprem a ideia e retomem o papel??

Para ser sincero, a posição dele deve ser pequena em relação ao capital. De outro lado, ele tem de bolso mais do que o dobro do que eu tenho de vida, então tem que levar em consideração o que o Velhinho fala! Talvez seja uma boa para ele, para mim eu acredito que não. 

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19 horas atrás, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Para ser sincero, a posição dele deve ser pequena em relação ao capital. De outro lado, ele tem de bolso mais do que o dobro do que eu tenho de vida, então tem que levar em consideração o que o Velhinho fala! Talvez seja uma boa para ele, para mim eu acredito que não. 

Ótimo tópico Victor, estou contigo. A própria Louise disse que para o Barsi é o dinheiro de Pinga e não o do Leite, como ela brincou, na explicação de que se ele perder, em nada muda essa perda. Já investi na IRB e sai quando seu o rolo da Squadra. Por enquanto estou fora, acho que é um ativo para quem pretende especular e apostar, não faz meu estilo.

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Muito bom o texto, falta um valor ali, imagino que seja "R$ 300" como é citado depois, a falha está nessa parte aqui:

On 21/11/2022 at 12:11, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de:

O problema é que ninguém rouba em "parcelas".

Isso me lembrou da Enron, tem um documentário, eles fizeram várias fraudes, mas a que mais inflou os balanços é que naquela época as empresas podiam declarar lucros previstos (certamente o nome correto não é esse), por exemplo, a Enron COMEÇAVA a construir uma usina elétrica na China, ela podia declarar no próximo balanço todo o lucro que iria gerar nos 20 anos após a usina iniciar, mas na verdade nem um centavo tinha entrado e tudo aquilo ali era negativo. No fim a Enron foi de uma das 10 maiores empresas do EUA a pedir falência em menos de 6 meses, aparentemente sem motivo nenhum, depois disso criaram a SOX (Lei Sarbanes-Oxley) que hoje é uma das maiores regulamentações pra quem vai abrir o capital nas bolsas dos EUA e lida principalmente sobre as declarações financeiras.
 

On 22/11/2022 at 12:16, Eduardo Fernando Dentello disse:

Ótimo tópico Victor, estou contigo. A própria Louise disse que para o Barsi é o dinheiro de Pinga e não o do Leite, como ela brincou, na explicação de que se ele perder, em nada muda essa perda. Já investi na IRB e sai quando seu o rolo da Squadra. Por enquanto estou fora, acho que é um ativo para quem pretende especular e apostar, não faz meu estilo.

Sim, eu lembro de alguns vídeos que a Louise fala que o IRB é aposta e coloca menos de 5%, assim como Taurus Armas, tem muito risco, mas se valorizar pode crescer muito. Ela fala que ele é uma mina de dinheiro, sim, mas quando perguntam do percentual da carteira ela sempre joga um balde de água fria. A galera tem que ver tudo e anotar os detalhes.

 

Meu pai trabalhou no IRB e a presidência sempre foi problemática, nunca tive boa visão da empresa, não invisto 1 centavo nela, nem por aposta. Eu só achava legal quando ele ia contar dos resseguros que a galera fazia, o Frank Sinatra quando foi cantar no maracanã fez seguro de todos os equipamentos, não lembro o valor mas meu pai sempre zoava "com isso investido em equipamentos até eu canto bem". Tinha seguro também de partes do corpo, tipo jogador de futebol que fazia seguro somente da "perna direita", era muita coisa estranha, haha.

  • HAHAHAHA 2
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  • 9 months later...
On 21/11/2022 at 12:11, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Boa tarde gente!! Vi essa thread produzida pelo Leandro Siqueira | Edufinance e achei interessante compartilhar com vocês, sobretudo porque muita gente está depositando esperanças na IRB na onda do Barsi, muitas vezes sem entender direito o que aconteceu para a empresa chegar na situação que está.

Dado os devidos créditos, vamos a historia.


Por anos o IRB ocupou o cargo de queridinha do mercado financeiro.

Bancos, researchs e gestores idolatravam a empresa.

Com a alta irrefreável, investidores fizeram fortunas com as ações dela.

Aparentemente, não havia nada que pudesse dar errado – mas só aparentemente.

Numa prosaica segunda-feira, o inesperado aconteceu: a Squadra, renomada gestora carioca, divulgou uma carta ao mercado.

Indo na contramão do que todos acreditavam, ela dizia apostar na queda das ações do IRB.

O motivo? A descoberta de uma fraude colossal.

O IRB foi criado em 1939.

Na época, o Brasil era governado por Getúlio Vargas, um presidente com claro viés nacionalista.

No seu governo, foram criadas as maiores estatais brasileiras:

  • Petrobras
  • Vale
  • CSN

O mote por trás da criação das estatais era impedir que as riquezas brasileiras fossem parar nas mãos dos estrangeiros.

Contudo, uma riqueza havia sido deixada de lado nessa história: o seguro de grandes riscos.

O seguro de grandes riscos é aquele em que o valor coberto é tão alto, mas tão alto, que uma seguradora sozinha não conseguiria dar conta de pagar a indenização caso acontecesse um desastre.

Na época, esse mercado era dominado por empresas internacionais.

Logo, muito dinheiro saía do Brasil, tornando o dólar mais escasso e, consequentemente, mais caro.

Pra dar um basta nisso, Getúlio criou o Instituto de Resseguros do Brasil – agora, denominado IRB.

Há vários tipos de seguro: de vida, de carros, de incêndio e até de geadas.

O evento que leva o seguro a pagar a indenização é chamado de "sinistro".

Já o dinheiro que o cliente paga pelo seguro é chamado de "prêmio".

Ganhar dinheiro vendendo seguros é "simples". Tudo o que a seguradora precisa fazer é ganhar mais com os prêmios do que ela vai gastar com sinistros. Pra conseguir isso, a seguradora usa a chamada "Lei dos Grandes Números".

Vamos imaginar que a chance do seu carro ser roubado durante um ano é de +- 0,3%.

Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de:

O problema é que ninguém rouba em "parcelas".

Quando você é roubado, R$ 100 mil vão embora de uma vez. Portanto, esse "valor esperado" faz pouco sentido pra você na prática.

É aí que entra a Lei dos Grandes Números

O que a Lei dos Grandes Números diz é que a probabilidade real se aproxima da teórica quanto maior o número de observações. Explicando em bom português:

As chances de você tirar "coroa" ao jogar uma moeda pra cima são de 50%. Isso implica que se você jogar uma moeda 10x pra cima, vão sair necessariamente 5x coroa? Obviamente, não.

Entretanto, caso você jogue a moeda milhares de vezes pra cima, aí sim, é bem provável que metade dê coroa.

Quanto maior o número de observações (moedas jogadas) mais próxima a probabilidade teórica (50%) fica da probabilidade real (número de coroas).

Você pode até não conseguir prever quando o seu carro vai ser roubado.

No entanto, você consegue estimar quantos carros vão ser roubados quando reúne milhares deles (muitas observações).

Com isso, o "valor esperado" de R$ 300 passar a fazer sentido.

Nasce aí uma oportunidade fascinante:

Reunindo 1.000 pessoas e considerando 0,3% de chance de cada carro ser roubado, dá pra estimar que 3 carros vão ser roubados todo ano.

Como cada um vale R$ 100 mil, isso dá R$ 300 mil reais.

Tudo o que elas precisam fazer para se proteger do risco de ter o carro roubado é criar uma "vaquinha".

Nela, cada uma contribui com R$ 300/ano.

A grana é usada para indenizar quem for roubado.

É trocar a chance pequena de uma perde enorme, pela certeza de uma perda pequena.

O que as seguradoras fazem é ganhar dinheiro ao "intermediar a vaquinha".

Várias pessoas pagam um valor "prêmio"

Quem tiver o carro roubado, ganha uma indenização.

Há 1 problema nisso: o risco catastrófico.

Teoricamente, quanto mais gente comprar o seguro, melhor.

Só que isso dá brecha para uma "catástrofe", em que o número de carros roubados extrapola o esperado.

Nisso, a seguradora pode não ter grana pra pagar todas as indenizações.

Em 2005, vários furacões atingiram a Flórida e as indenizações dos seguros chegaram na casa de $ 35 bilhões de dólares.

Caso uma seguradora tivesse que bancar tudo isso sozinha, ela certamente iria à falência.

É aqui que os resseguros entram em cena.

O resseguro é uma espécie de seguro do seguro.

Nele, parte do risco das seguradoras é "vendido" para as resseguradoras.

Caso uma catástrofe aconteça, as resseguradoras entram em cena, evitando a quebra da seguradoras.

No caso dos furacões que atingiram a Flórida, dos dos $ 35 bilhões pagos em indenização, $ 22 bilhões saíram dos cofres das resseguradoras.

A questão é: aqui no Brasil, eventos catastróficos são raros.

Qual a lógica, então, de existir uma resseguradora?

Bom, não sei se você percebeu, mas tudo o que uma seguradora precisa fazer para ganhar dinheiro é assinar um papel.

Quando ela assina (em geral), o dinheiro do prêmio já cai na conta.

A indenização, por sua vez, só precisará ser paga lá na frente, quando o sinistro acontecer.

O dinheiro que fica na conta "esperando" o sinistro acontecer é chamado de "float".

Esse float pode ser investido, rendendo uma grana pra seguradora.

O problema é: como garantir que a seguradora terá dinheiro para pagar as indenizações lá na frente?

Pra garantir isso, a SUSEP (regulador) criou um negócio chamado "limite de retenção".

Esse limite determina que a quantidade de seguros que a empresa pode vender é restringida pelo patrimônio líquido dela (a grana que ela tem).

Em geral, esse limite é de 5% do patrimônio.

Toda vez que a seguradora vende um seguro, o patrimônio dela diminui.

A explicação é:

  • Quando o dinheiro da venda entra, o ativo aumenta
  • Só que esse dinheiro é provisionado, o que também aumenta o passivo

O nome disso é "Diferimento de Receita".

O problema é que a empresa gasta uma grana pra vender o seguro (vendedores etc).

Esse gasto entra como despesa ("custos de aquisição"), o que reduz o patrimônio líquido.

Logo, a seguro vendido, o patrimônio diminui.

That's a problem: quanto mais seguro você vende, menos você pode vender (independente do tipo, já que seu patrimônio diminuiu).

A boa notícia é que há uma solução: resseguros.

O que as seguradoras fazem no Brasil é transferir uma parte dos seguros que elas venderam para as resseguradoras.

A princípio, pode parecer que é a mesma coisa que vender menos seguros.

A não ser por um detalhe: a comissão de resseguro.

Essas comissões são pagas pelas resseguradoras para (teoricamente) compensar os "custos de aquisição" que as seguradoras tiveram.

Na prática, as comissões são maiores do que os custos.

Portanto, toda vez que a seguradora faz um resseguro, o patrimônio dela aumenta.

O nome disso é "surplus relief".

As seguradoras e ressegurados têm um negócio muito parecido.

A grande diferença é que:

  • Seguradoras são varejistas (vendem para pessoas)
  • Resseguradoras são atacados (vendem para as seguradoras)

Por conta disso, o "float" que fica nas resseguradoras é gigantesco.

Com uma taxa de juros real média em torno de 6% a.a., dá pra fazer fortunas só investindo esse float.

É assim que as resseguradoras (br) ganham dinheiro.

Agora que você entendeu tudo isso, será muito mais fácil compreender como o IRB arquitetou a sua fraude.

O IRB era a empresa dos sonhos:

  • Lucros altos
  • Crescimento constante
  • Excelente ROE

Enquanto em 2018 o ROE do IRB chegou a mais de 30%, o das concorrentes não passava de míseros 5% ao ano.

O IRB, de acordo com os dados, era a melhor resseguradora do MUNDO.

Bom demais pra ser verdade.

Das duas uma: ou eles tinham descoberto a fórmula mágica do dinheiro ou havia algo muito errado nessa história.

Havia uma explicação para esse ROE fenomenal, segundo um relatório do Morgan Stanley: a taxa de sinistralidade.

Taxa de sinistralidade nada mais é do que quanto a empresa gastou com indenizações a cada R$ 1 que ela ganhou vendendo seguros.

Em 2018, a sinistralidade do IRB foi de 56%.

Isso era estranho: a taxa média das resseguradoras ao redor do mundo inteiro era de +- 75%.

Desde o IPO, a sinistralidade do IRB no Brasil havia sido de 35%, o que, na linguagem popular, é f*cking impossível.

Olhando os dados disponíveis na SUSEP, a taxa de sinistralidade média no Brasil era de 61% desde 2017.

O IRB tem mais de 40% do mercado de resseguros no Brasil.

Pra conta fechar, as outras resseguradoras deveriam ter uma taxa de 75%: mais que o dobro da IRB.

Só que havia algo pior.

Quando rola um sinistro, a resseguradora não indeniza direto o cliente, mas sim a seguradora (que repassa a grana).

Nos dados da SUSEP, constava o quanto as seguradoras receberam de reembolso da IRB.

Adivinha só? Esses dados não batiam com os que constavam na DRE do IRB.

Em bom português, ela divulgava uma despesa com sinistros muito menor do que realmente era pago, fazendo a taxa de sinistralidade dela ser muito menor do que o normal.

No total, entre 2017 e 2019, essa diferença chegou a surreais R$ 1,6 bilhão de reais.

Como explicar essa diferença gritante?

Pra responder essa pergunta, a Squadra foi atrás do Triângulo de Sinistros.

Esse triângulo divide os resseguros de acordo com o ano em que eles foram vendidos.

Nessa imagem estão os anos em que os resseguros foram feitos.

Dos feitos em 2014, por exemplo, a IRB gastou R$ 50 mi com sinistros no mesmo ano.

Já no ano seguinte, em 2015, ela gastou R$ 500 mi.

Em 2016, ela gastou mais R$ 1 bilhão.

(assim a coisa vai até 2019)

image.png.ca4cf8229fbff8cff9f6869bedc74c1d.png

Essa é a origem da "ilusão".

Calculando a taxa de sinistralidade pela mera divisão do quanto o IRB gastou com sinistros em um ano pelo quanto ela ganhou com resseguros nesse mesmo ano, vamos encontrar um valor muito baixo.

O motivo é simples: sinistros demoram a acontecer.

Com o número de resseguros vendidos crescendo, sempre vai haver + grana entrando do que saindo (criando a ilusão de que a sinistralidade está baixa).

Calculando pelo triângulo, porém, a sinistralidade do IRB entre 2017 e 2019 era de 70%.

image.png.1bc33566f3c956d9456465e6ccbfb107.png

Esse truque funciona bem: até que a rodar para de girar.

Não dá pra vender um número cada vez maior de resseguros todo ano.

Uma hora, a verdade viria à tona.

Foi aí que o IRB teve uma ideia brilhante.

Existe um "delay" entre a resseguradora ser avisada que houve um sinistro e de fato pagar o reembolso à seguradora.

Como nada pode escapar da contabilidade, é criado uma "Provisão de Sinistros a Liquidar* (PSL) para registrar o valor que ainda deverá ser pago.

O que pouca gente sabe é que no momento em que o seguro é ativado (um carro que bateu, por exemplo), a seguradora (ou resseguradora) passa a ser dona dele.

Ela pode, então, vender a carcaça e ficar com o dinheiro.

Essa grana é o que a gente chama de "salvados e ressarcidos".

Como existe a chance do IRB recuperar uma grana com isso, ela pode reduzir o valor provisionado pelo quanto ela ACREDITA que conseguirá reaver.

Praticamente nenhuma resseguradora faz isso.

Nem o IRB fazia: até 2019.

Com o cerco apertando, ele mudou de ideia.

image.jpeg.c7f55bfc78d7fd1d6da6d67ff3092338.jpeg

O achismo começou com R$ 150 milhões (6% da PSL).

Em pouco tempo, esse valor já chegava a R$ 600 milhões (30% da PSL).

Esse truque foi ótimo para maquiar o crescimento da taxa de sinistralidade.

A cartada final, porém, foi ainda melhor. Quando ainda era estatal, há uns 30 anos, o IRB comprou vários shoppings. Desde então, o valor deles no Balanço Patrimonial da empresa era o mesmo.

Em 2019, eles venderam os shoppings, gerando um lucro enorme.

Valorização?

Não, apenas atualização de um valor que não mudava há 30 anos.

Voilà: + R$ 300 milhões de reais em lucro contábil.

Resumo da ópera, esses foram os 3 truques usados pela IRB:

  • Reduzir a PSL estimando salvados e ressarcidos • Reverter provisões antigas • Vender ativos antigos

Juntos, eles geraram + R$ 2 bilhões de reais em lucro “fictício”, digamos assim

E o pior, boa parte dentro da lei!

A lição é simples: quanto mais liberdade contábil a empresa tiver, maior o risco dela estar escondendo algo.

Empresas cujo negócio envolve provisões têm liberdade para fazer quase o que quiserem.

A melhor forma de identificar inconsistências é ficando de olho nas anomalias:

  • ROEs incríveis
  • Fluxo de caixa negativo vs lucro contábil positivo
  • Provisões baixas (vs concorrentes)
  • Falta de transparência

 

 

Não conhecia a história da IRB. Obrigado por compartilhar o conhecimento!

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  • 1 month later...
On 21/11/2022 at 12:11, Victor Antonio Cordeiro Rios disse:

Boa tarde gente!! Vi essa thread produzida pelo Leandro Siqueira | Edufinance e achei interessante compartilhar com vocês, sobretudo porque muita gente está depositando esperanças na IRB na onda do Barsi, muitas vezes sem entender direito o que aconteceu para a empresa chegar na situação que está.

Dado os devidos créditos, vamos a historia.


Por anos o IRB ocupou o cargo de queridinha do mercado financeiro.

Bancos, researchs e gestores idolatravam a empresa.

Com a alta irrefreável, investidores fizeram fortunas com as ações dela.

Aparentemente, não havia nada que pudesse dar errado – mas só aparentemente.

Numa prosaica segunda-feira, o inesperado aconteceu: a Squadra, renomada gestora carioca, divulgou uma carta ao mercado.

Indo na contramão do que todos acreditavam, ela dizia apostar na queda das ações do IRB.

O motivo? A descoberta de uma fraude colossal.

O IRB foi criado em 1939.

Na época, o Brasil era governado por Getúlio Vargas, um presidente com claro viés nacionalista.

No seu governo, foram criadas as maiores estatais brasileiras:

  • Petrobras
  • Vale
  • CSN

O mote por trás da criação das estatais era impedir que as riquezas brasileiras fossem parar nas mãos dos estrangeiros.

Contudo, uma riqueza havia sido deixada de lado nessa história: o seguro de grandes riscos.

O seguro de grandes riscos é aquele em que o valor coberto é tão alto, mas tão alto, que uma seguradora sozinha não conseguiria dar conta de pagar a indenização caso acontecesse um desastre.

Na época, esse mercado era dominado por empresas internacionais.

Logo, muito dinheiro saía do Brasil, tornando o dólar mais escasso e, consequentemente, mais caro.

Pra dar um basta nisso, Getúlio criou o Instituto de Resseguros do Brasil – agora, denominado IRB.

Há vários tipos de seguro: de vida, de carros, de incêndio e até de geadas.

O evento que leva o seguro a pagar a indenização é chamado de "sinistro".

Já o dinheiro que o cliente paga pelo seguro é chamado de "prêmio".

Ganhar dinheiro vendendo seguros é "simples". Tudo o que a seguradora precisa fazer é ganhar mais com os prêmios do que ela vai gastar com sinistros. Pra conseguir isso, a seguradora usa a chamada "Lei dos Grandes Números".

Vamos imaginar que a chance do seu carro ser roubado durante um ano é de +- 0,3%.

Considerando que o seu carro custe R$ 100 mil, o valor que você deve esperar perder ao ano é de:

O problema é que ninguém rouba em "parcelas".

Quando você é roubado, R$ 100 mil vão embora de uma vez. Portanto, esse "valor esperado" faz pouco sentido pra você na prática.

É aí que entra a Lei dos Grandes Números

O que a Lei dos Grandes Números diz é que a probabilidade real se aproxima da teórica quanto maior o número de observações. Explicando em bom português:

As chances de você tirar "coroa" ao jogar uma moeda pra cima são de 50%. Isso implica que se você jogar uma moeda 10x pra cima, vão sair necessariamente 5x coroa? Obviamente, não.

Entretanto, caso você jogue a moeda milhares de vezes pra cima, aí sim, é bem provável que metade dê coroa.

Quanto maior o número de observações (moedas jogadas) mais próxima a probabilidade teórica (50%) fica da probabilidade real (número de coroas).

Você pode até não conseguir prever quando o seu carro vai ser roubado.

No entanto, você consegue estimar quantos carros vão ser roubados quando reúne milhares deles (muitas observações).

Com isso, o "valor esperado" de R$ 300 passar a fazer sentido.

Nasce aí uma oportunidade fascinante:

Reunindo 1.000 pessoas e considerando 0,3% de chance de cada carro ser roubado, dá pra estimar que 3 carros vão ser roubados todo ano.

Como cada um vale R$ 100 mil, isso dá R$ 300 mil reais.

Tudo o que elas precisam fazer para se proteger do risco de ter o carro roubado é criar uma "vaquinha".

Nela, cada uma contribui com R$ 300/ano.

A grana é usada para indenizar quem for roubado.

É trocar a chance pequena de uma perde enorme, pela certeza de uma perda pequena.

O que as seguradoras fazem é ganhar dinheiro ao "intermediar a vaquinha".

Várias pessoas pagam um valor "prêmio"

Quem tiver o carro roubado, ganha uma indenização.

Há 1 problema nisso: o risco catastrófico.

Teoricamente, quanto mais gente comprar o seguro, melhor.

Só que isso dá brecha para uma "catástrofe", em que o número de carros roubados extrapola o esperado.

Nisso, a seguradora pode não ter grana pra pagar todas as indenizações.

Em 2005, vários furacões atingiram a Flórida e as indenizações dos seguros chegaram na casa de $ 35 bilhões de dólares.

Caso uma seguradora tivesse que bancar tudo isso sozinha, ela certamente iria à falência.

É aqui que os resseguros entram em cena.

O resseguro é uma espécie de seguro do seguro.

Nele, parte do risco das seguradoras é "vendido" para as resseguradoras.

Caso uma catástrofe aconteça, as resseguradoras entram em cena, evitando a quebra da seguradoras.

No caso dos furacões que atingiram a Flórida, dos dos $ 35 bilhões pagos em indenização, $ 22 bilhões saíram dos cofres das resseguradoras.

A questão é: aqui no Brasil, eventos catastróficos são raros.

Qual a lógica, então, de existir uma resseguradora?

Bom, não sei se você percebeu, mas tudo o que uma seguradora precisa fazer para ganhar dinheiro é assinar um papel.

Quando ela assina (em geral), o dinheiro do prêmio já cai na conta.

A indenização, por sua vez, só precisará ser paga lá na frente, quando o sinistro acontecer.

O dinheiro que fica na conta "esperando" o sinistro acontecer é chamado de "float".

Esse float pode ser investido, rendendo uma grana pra seguradora.

O problema é: como garantir que a seguradora terá dinheiro para pagar as indenizações lá na frente?

Pra garantir isso, a SUSEP (regulador) criou um negócio chamado "limite de retenção".

Esse limite determina que a quantidade de seguros que a empresa pode vender é restringida pelo patrimônio líquido dela (a grana que ela tem).

Em geral, esse limite é de 5% do patrimônio.

Toda vez que a seguradora vende um seguro, o patrimônio dela diminui.

A explicação é:

  • Quando o dinheiro da venda entra, o ativo aumenta
  • Só que esse dinheiro é provisionado, o que também aumenta o passivo

O nome disso é "Diferimento de Receita".

O problema é que a empresa gasta uma grana pra vender o seguro (vendedores etc).

Esse gasto entra como despesa ("custos de aquisição"), o que reduz o patrimônio líquido.

Logo, a seguro vendido, o patrimônio diminui.

That's a problem: quanto mais seguro você vende, menos você pode vender (independente do tipo, já que seu patrimônio diminuiu).

A boa notícia é que há uma solução: resseguros.

O que as seguradoras fazem no Brasil é transferir uma parte dos seguros que elas venderam para as resseguradoras.

A princípio, pode parecer que é a mesma coisa que vender menos seguros.

A não ser por um detalhe: a comissão de resseguro.

Essas comissões são pagas pelas resseguradoras para (teoricamente) compensar os "custos de aquisição" que as seguradoras tiveram.

Na prática, as comissões são maiores do que os custos.

Portanto, toda vez que a seguradora faz um resseguro, o patrimônio dela aumenta.

O nome disso é "surplus relief".

As seguradoras e ressegurados têm um negócio muito parecido.

A grande diferença é que:

  • Seguradoras são varejistas (vendem para pessoas)
  • Resseguradoras são atacados (vendem para as seguradoras)

Por conta disso, o "float" que fica nas resseguradoras é gigantesco.

Com uma taxa de juros real média em torno de 6% a.a., dá pra fazer fortunas só investindo esse float.

É assim que as resseguradoras (br) ganham dinheiro.

Agora que você entendeu tudo isso, será muito mais fácil compreender como o IRB arquitetou a sua fraude.

O IRB era a empresa dos sonhos:

  • Lucros altos
  • Crescimento constante
  • Excelente ROE

Enquanto em 2018 o ROE do IRB chegou a mais de 30%, o das concorrentes não passava de míseros 5% ao ano.

O IRB, de acordo com os dados, era a melhor resseguradora do MUNDO.

Bom demais pra ser verdade.

Das duas uma: ou eles tinham descoberto a fórmula mágica do dinheiro ou havia algo muito errado nessa história.

Havia uma explicação para esse ROE fenomenal, segundo um relatório do Morgan Stanley: a taxa de sinistralidade.

Taxa de sinistralidade nada mais é do que quanto a empresa gastou com indenizações a cada R$ 1 que ela ganhou vendendo seguros.

Em 2018, a sinistralidade do IRB foi de 56%.

Isso era estranho: a taxa média das resseguradoras ao redor do mundo inteiro era de +- 75%.

Desde o IPO, a sinistralidade do IRB no Brasil havia sido de 35%, o que, na linguagem popular, é f*cking impossível.

Olhando os dados disponíveis na SUSEP, a taxa de sinistralidade média no Brasil era de 61% desde 2017.

O IRB tem mais de 40% do mercado de resseguros no Brasil.

Pra conta fechar, as outras resseguradoras deveriam ter uma taxa de 75%: mais que o dobro da IRB.

Só que havia algo pior.

Quando rola um sinistro, a resseguradora não indeniza direto o cliente, mas sim a seguradora (que repassa a grana).

Nos dados da SUSEP, constava o quanto as seguradoras receberam de reembolso da IRB.

Adivinha só? Esses dados não batiam com os que constavam na DRE do IRB.

Em bom português, ela divulgava uma despesa com sinistros muito menor do que realmente era pago, fazendo a taxa de sinistralidade dela ser muito menor do que o normal.

No total, entre 2017 e 2019, essa diferença chegou a surreais R$ 1,6 bilhão de reais.

Como explicar essa diferença gritante?

Pra responder essa pergunta, a Squadra foi atrás do Triângulo de Sinistros.

Esse triângulo divide os resseguros de acordo com o ano em que eles foram vendidos.

Nessa imagem estão os anos em que os resseguros foram feitos.

Dos feitos em 2014, por exemplo, a IRB gastou R$ 50 mi com sinistros no mesmo ano.

Já no ano seguinte, em 2015, ela gastou R$ 500 mi.

Em 2016, ela gastou mais R$ 1 bilhão.

(assim a coisa vai até 2019)

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Essa é a origem da "ilusão".

Calculando a taxa de sinistralidade pela mera divisão do quanto o IRB gastou com sinistros em um ano pelo quanto ela ganhou com resseguros nesse mesmo ano, vamos encontrar um valor muito baixo.

O motivo é simples: sinistros demoram a acontecer.

Com o número de resseguros vendidos crescendo, sempre vai haver + grana entrando do que saindo (criando a ilusão de que a sinistralidade está baixa).

Calculando pelo triângulo, porém, a sinistralidade do IRB entre 2017 e 2019 era de 70%.

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Esse truque funciona bem: até que a rodar para de girar.

Não dá pra vender um número cada vez maior de resseguros todo ano.

Uma hora, a verdade viria à tona.

Foi aí que o IRB teve uma ideia brilhante.

Existe um "delay" entre a resseguradora ser avisada que houve um sinistro e de fato pagar o reembolso à seguradora.

Como nada pode escapar da contabilidade, é criado uma "Provisão de Sinistros a Liquidar* (PSL) para registrar o valor que ainda deverá ser pago.

O que pouca gente sabe é que no momento em que o seguro é ativado (um carro que bateu, por exemplo), a seguradora (ou resseguradora) passa a ser dona dele.

Ela pode, então, vender a carcaça e ficar com o dinheiro.

Essa grana é o que a gente chama de "salvados e ressarcidos".

Como existe a chance do IRB recuperar uma grana com isso, ela pode reduzir o valor provisionado pelo quanto ela ACREDITA que conseguirá reaver.

Praticamente nenhuma resseguradora faz isso.

Nem o IRB fazia: até 2019.

Com o cerco apertando, ele mudou de ideia.

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O achismo começou com R$ 150 milhões (6% da PSL).

Em pouco tempo, esse valor já chegava a R$ 600 milhões (30% da PSL).

Esse truque foi ótimo para maquiar o crescimento da taxa de sinistralidade.

A cartada final, porém, foi ainda melhor. Quando ainda era estatal, há uns 30 anos, o IRB comprou vários shoppings. Desde então, o valor deles no Balanço Patrimonial da empresa era o mesmo.

Em 2019, eles venderam os shoppings, gerando um lucro enorme.

Valorização?

Não, apenas atualização de um valor que não mudava há 30 anos.

Voilà: + R$ 300 milhões de reais em lucro contábil.

Resumo da ópera, esses foram os 3 truques usados pela IRB:

  • Reduzir a PSL estimando salvados e ressarcidos • Reverter provisões antigas • Vender ativos antigos

Juntos, eles geraram + R$ 2 bilhões de reais em lucro “fictício”, digamos assim

E o pior, boa parte dentro da lei!

A lição é simples: quanto mais liberdade contábil a empresa tiver, maior o risco dela estar escondendo algo.

Empresas cujo negócio envolve provisões têm liberdade para fazer quase o que quiserem.

A melhor forma de identificar inconsistências é ficando de olho nas anomalias:

  • ROEs incríveis
  • Fluxo de caixa negativo vs lucro contábil positivo
  • Provisões baixas (vs concorrentes)
  • Falta de transparência

Há, inclusive o Leandro tem um vídeo muito bacana da historia:

https://www.youtube.com/watch?v=SCqsRZ4ly0Q&ab_channel=Edufinance


E aqui você encontra outros tópicos que eu já publiquei por aqui na comunidade:

O GLOSSÁRIO DEFINITIVO, ou quase, DE TERMOS DO MERCADO FINANCEIRO: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3730-o-glossário-definitivo-ou-quase-de-termos-do-mercado-financeiro/

Aos mãos de alface: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3663-aos-mãos-de-alface/

LFTS11 faz sentido ou não vale o tempo gasto?: https://comunidade.auvp.com.br/topic/3712-lfts11-faz-sentido-ou-não-vale-o-tempo-gasto/

Excelente compartilhamento de informações @Victor Antonio Cordeiro Rios, uma verdadeira aula 💥👏🏽

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